[caption id="attachment_4971" align="aligncenter" width="640"]
Foto reprodução UFSM[/caption]
Um gigante chamado Marianinho
Era um sábado, dia 14 de fevereiro de 1998. Após um chá da tarde com familiares e amigos em sua residência, o professor José Mariano pediu para sua filha Maria Isabel que o acompanhasse em um passeio pelo campus da Universidade Federal de Santa Maria, em Camobi. E mesmo abatido por problemas de saúde que o obrigavam a permanecer em repouso caseiro, ficou por cerca de meia hora contemplando a grande realização de sua vida. Praticamente passou por todos os prédios, por todas as ruas, em todos os canteiros de obras. Estava silencioso, concentrado, fazendo poucos comentários e em nenhum momento demonstrou mal-estar.
Foi a sua última visita a universidade que nasceu de sua obstinação singular pela Educação. Seis horas depois, às 2h do dia 15 de fevereiro, seu coração parou de bater. Ele tinha 83 anos e sabia que havia mudado o destino de Santa Maria e sua gente.
Só os cegos não vêem
[caption id="attachment_4970" align="alignright" width="300"]
Foto reprodução UFSM[/caption]
Nascido a 12 de fevereiro de 1915, em Santa Maria, e filho de tradicional família gaúcha, José Mariano da Rocha Filho, doutor Mariano ou Marianinho, como toda a cidade o chamava carinhosamente, deixou um legado que se funde a própria história da Educação no País. E o primeiro passo desta trajetória foi um diploma na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1937.
Depois, já em 1945, continuou sua carreira lecionando em sua cidade natal na Faculdade de Farmácia, onde também exerceu o cargo de diretor. Dois anos mais tarde, foi um dos idealizadores da anexação das Faculdades de Pelotas e Santa Maria à Universidade de Porto Alegre, que, desde então, passou a se chamar de Universidade do Rio Grande do Sul.
Em 1949, em um discurso na Faculdade de Farmácia santa-mariense, Mariano já enfatizava uma meta que poucos conseguiam visualizar, quanto mais acreditar: “Só os cegos não veem a futura Universidade de Santa Maria”. Pouco depois, começou a criar os mais diversos cursos superiores na cidade e passou a concretizar, tijolo por tijolo, o seu maior sonho: a fundação da UFSM.
Criada em 1960, a UFSM foi a primeira instituição pública de ensino superior do interior do Brasil. Fato inédito para aqueles dias e que causou uma propagação de universidades em todo território nacional. “Para o desenvolvimento, não há outro caminho que não seja com a Educação”, costumava dizer. Consolidava-se também naquele mesmo exato momento, o segundo ciclo de desenvolvimento econômico de Santa Maria depois da chegada da ferrovia no final do século XIX: o ciclo da Educação.
A partir desse marco, o reitor começou então a trazer professores de renome internacional para recém-inaugurada universidade, garantindo um ensino de ponta dentro do quadro educacional da América Latina. Já em 1968, implantou a Operação Oswaldo Aranha, um projeto de âmbito internacional, em parceria com as Nações Unidas, que visava o desenvolvimento tecnológico de áreas rurais, capacitando docentes na troca de experiências com técnicos estrangeiros.
Há um consenso na comunidade universitária que os mais diversos Centros de Excelência que a UFSM tem nos dias de hoje não teriam esta qualificação sem a participação de Mariano.
Alguns Marianos...
“Um desbravador”. Está foi a declaração mais ouvida sobre o comportamento do professor fundador da UFSM desde a sua morte há vinte anos. As outras características de sua personalidade mais apontadas por quem trabalhou junto a ele são a simplicidade, a capacidade ímpar de se comunicar e de estar sempre aberto ao diálogo com as pessoas, por mais simples que fossem.
Contam que durante a campanha para fundar a universidade, ele entrava em contato inúmeras vezes por dia com o presidente Jucelino Kubischeck. E foram tantas as ligações, como as tentativas de contato, com o então chefe do Executivo brasileiro, que um dos assessores do Palácio do Planalto tentou afastar o professor santa-mariense. Para surpresa de todos, foi o próprio presidente que repreendeu seu subalterno e declarou: “Quem dera o Brasil ter mais alguns Marianos da Rocha!”
É de sua autoria a Lei de 1968 que instituiu a implantação de um campus universitário fora da cidade sede, ou Multiversidade, como gostava de chamar a incipiente UFSM, em Camobi. Foi também conselheiro do Projeto Rondon, assim como idealizador e fundador do primeiro campus avançado de Ensino Superior na região amazônica, em agosto de 1969: o campus de Roraima, hoje Universidade Federal de Roraima.
As decepções da política
Doutor Mariano foi um intelectual respeitado e conhecido em todo mundo, mas também exerceu uma militância política que o levou a se candidatar para o Senado Federal, em 1978, e à Assembleia Nacional Constituinte, em 1988. Por ironia do destino, não conseguiu se eleger nas duas oportunidades. Mas não se constrangeu e citou a história para explicar o inexplicável: “Até Winston Churchill perdeu uma eleição depois de ganhar a II Guerra Mundial...” disse.
Até hoje, a única explicação de não ter tido os votos dos santa-marienses é de concorrer aos pleitos eleitorais pela Arena, partido de apoio ao governo militar, nos estertores do regime implantado no Brasil em 1º de abril de 1964.
Mas a personalidade e a obra do santa-mariense já eram conhecidas pelos cinco continentes. Recebeu, entre outras, as Palmas Acadêmicas da França, A Ordem de Instrução de Portugal, a Medalha de Educador das Américas e a Ordem do Mérito Brasileiro. Pertenceu ao Conselho Superior da Universidade de Bonn, na Alemanha, e foi outorgado com o título de Honoris Causa em inúmeras universidades espalhadas pelo mundo. Foi Cidadão Honorário nos mais diversos municípios brasileiro e, nos últimos anos de vida, foi distinguido como “Santa-Mariense do Século” e, depois, “Gaúcho do Século”.
Poucos como professor Mariano da Rocha construíram uma trajetória de realizações tão intensas que transformaram a vida para melhor de tantas pessoas. Quando ele nasceu, há exatos 103 anos, em 1915, Santa Maria tinha três mil habitantes e era apenas um centro ferroviário com um bom comércio. Hoje é um polo nacional de ensino, pesquisa e tecnologia com cerca de 300 mil pessoas e continua crescendo a olhos vistos. E a fagulha inicial de tudo isto foi a obstinação de um professor chamado carinhosamente de Marianinho.
*Autor:
Ricardo Ritzel - Fontes: UFSM: Memórias de Luiz Gonzaga Isaia e arquivo do Jornal A Razão