Napoleão e a universidade
[caption id="attachment_2570" align="aligncenter" width="640"] Reginaldo Napoleão: “O Mariano tinha uma memória fantástica, daquelas que não se esquecia de nada. Tudo que ele pedia em uma reunião, ele cobrava tempos depois”[/caption]
A Universidade Federal de Santa Maria entrou na vida de Reginaldo Napoleão quando ele tinha 29 anos e não saiu mais. Tanto que, hoje, com 81 anos, aposentado, ele recorda de fatos, diálogos e situações que se passaram a quase meio século como tivessem acontecido ontem. Com detalhes.
E foram tantos os detalhes relembrados por este administrador, contador e bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, que esta página ficou pequena demais para todos.
Afinal, poucos como eles tiveram o privilégio de conviver tão próximo do fundador e, ainda, estar interado de tudo e todos que estavam ligados a administração da UFSM e por tanto tempo. Conheça, agora, um pouco desta história.
O primeiro administrador
“Eu iniciei, extraoficialmente, a trabalhar na Universidade com o doutor Mariano no dia 17 de dezembro de 1961. Foi o seguinte, eu estava me demitindo da Sociedade dos Caixeiros Viajantes, em Porto Alegre, e me transferindo para outro posto melhor remunerado, também na capital gaúcha.
O único pedido para meu patrão foi, antes de assumir o novo emprego, tirar umas férias, há muito merecidas. Então, vim passar o dezembro de 61 em Santa Maria.
Exatamente no dia 17, ali na esquina da Floriano com a Bozzano, eu e Zaíra encontramos o doutor Mariano com a dona Maria e, entre uma conversa e outra, ele me convidou para voltar à cidade e começar a trabalhar na Universidade.
Me lembro como se fosse ontem: depois de algumas negativas minhas, ele insistiu: “A minha universidade precisa de gente amiga para trabalhar!”. Naquele momento, desisti do emprego em Porto Alegre.
No dia 22 de dezembro, me apresentei em sua casa, que naquele tempo era praticamente a reitoria da universidade, e ele logo me passou as primeiras tarefas: fazer um edital de vestibular para Agronomia e outro para Veterinária. Como eu não sabia nada de serviço público, pedi para o Luís Fernando Rolim me ensinar. E eu fiz e segui com a nova profissão.
Dias depois, em 2 de janeiro de 1962, fui nomeado pessoalmente pelo reitor como Oficial de Administração. Naquele momento, me tornei, extraoficialmente, o primeiro administrador da Universidade. Em seguida, abriu concurso e eu fui classificado, me tornando, então, oficialmente o administrador da UFSM”.
A memória do chefe
“O Mariano tinha uma memória fantástica, daquelas que não se esquecia de nada. Tudo que ele pedia em uma reunião, ele cobrava depois sem esquecer uma vírgula. Quem trabalhou com ele sabe bem disto.
E, mais: ele visitava as obras da Cidade Universitária com um gravador. Então, ele ia caminhando e dizia: fulano, faça isto, isto e aquilo; Beltrano, é assim, assim e asado. Depois, aquilo tudo era transcrito, virava memorando e era repassado para o setor competente. E ele conferia tudo, sendo que muitas vezes até completava o memorando”.
[caption id="attachment_2569" align="aligncenter" width="640"] Reginaldo Napoleão recebe homenagem do reitor Mariano da Rocha. Foto arquivo pessoal Reginaldo Napoleão[/caption]
A rua que virou avenida
O projeto da Cidade Universitária foi feito pela Fomisa, uma empresa especializada do Rio de Janeiro. E todas as vias inicialmente previstas eram ruas estreitas. E eu implicava muito com isto, já que temos uma área enorme em Camobi, e não adiantava nem falar com meu amigo Basílio (José Basílio Neto, professor e engenheiro encarregado das obras no campus) que ele seguia a risca o que estava planejado.
Então, em um determinado momento, o Basílio estava viajando para o Rio de Janeiro e as máquinas começaram a abrir a Rua H, que ligaria onde hoje está o Estádio com a rua do Hospital Universitário. Não tive dúvidas, reuni o pessoal e falei: “O doutor Mariano mandou construir duas vias com um canteiro para plantar cedros no meio”. Com o nome do Mariano por trás, não houve discussão e a rua H virou uma avenida.
Ainda bem que o Basílio gostou do que viu quando voltou de viagem. Tempos depois, o próprio reitor me confessou que minha decisão foi acertada. Ele gostava do campus com muitas arvores” concluiu Napoleão, já com uma boa risada em sua face.
Lista de compras na Hungria
“O Brasil tinha um crédito grande com a Hungria e, conforme tratado internacional, para receber, era obrigado a comprar produtos daquele país para equilibrar a balança comercial.
Então, o Tarso Dutra viabilizou um projeto para que esta necessidade de importação de produtos fosse direcionada para as universidades federais e avisou o professor Mariano sobre isto.
Fui chamado para uma reunião urgente no campus em um final de semana. Cheguei de bombacha, meio constrangido, mas o Mariano nem deu bola para isto e foi logo me pedindo para o mais breve possível uma lista de materiais para suprir as necessidades dos mais diversos departamentos da UFSM. E em dobro.
Comecei naquele instante mesmo a pesquisar entre todos os cursos e professores e, alguns dias após, a lista estava pronta sobre a mesa do reitor e, em seguida, foi encaminhada para o Ministério da Educação, em Brasília.
Meses após, chegou todo o material pedido, que era naqueles dias o que havia de melhor em projetores, maquinas fotográficas, microscópios, maquetes de corpo humano em vidro, maquete de bovinos em vidro e tudo mais que se possa imaginar para uma universidade funcionar. Enfim, uma fábula: a UFSM tinha finalmente os melhores equipamentos do mundo para ensinar seus alunos”.
O reitor e o general
O Mariano não queria saber se era militar, se não era. Se era ditadura ou não era. Ele só queria saber da Universidade e não perdeu uma só oportunidade para melhorar ainda mais as coisas por aqui. Tanto que todos os presidentes militares visitaram a UFSM durante o seu mandato de reitor.
Em uma destas visitas, a do Castelo Branco, o pavilhão das Rurais ficou, ao natural, superlotado de alunos, professores e funcionários da Universidade. E aí o general fez o seu discurso e foi muito aplaudido mesmo por aquela multidão. Todos queriam cumprimentar o presidente.
Lembro que o Castelo Branco ficou tão emocionado e feliz que dispensou a segurança, que era muito severa naqueles dias, e foi confraternizar no meio das pessoas. Foi ovacionado como nunca vi um presidente do Brasil ser.
Quando o Castelo saiu do meio da multidão, entrou direto no carro para se dirigir a Base Aérea e foi acompanhado somente pelo Mariano e o motorista. Foi neste momento que o reitor indagou ao maior mandatário do país: “Presidente, o nosso orçamento da UFSM não foi aprovado e precisamos muito dele para crescer”.
Depois, o Mariano nos contou que ele respondeu secamente: “Faça chegar a Brasília o orçamento que ele será aprovado na íntegra”. E foi, não mexeram nem em uma vírgula que estava no papel e aumentaram o nosso orçamento de 6 para 60 milhões”.
Fonte Imprensa APUSM