Doutor Irion: perseguindo o horizonte
[caption id="attachment_2748" align="aligncenter" width="662"] Inauguração do serviço de Medicina Nuclear no HUSM: Padre Romulo, João Irion, Mariano da Rocha, Salomão Seligmann e Pedro Martinez, entre outros. Foto arquivo pessoal[/caption]
João Eduardo Oliveira Irion nasceu em Cacequi, se formou em Medicina na Universidade Federal do Paraná e, desde então, vive e trabalha em Santa Maria.
É médico especialista em Radiologia e Medicina Nuclear. Iniciou sua carreira no magistério universitário antes mesmo da criação da UFSM, como professor na cadeira de Fisiologia da primeira turma do Curso de Medicina, naquela época, anexa à Faculdade de Farmácia.
É um pioneiro que conhece como poucos a história do Ensino Superior em nossa cidade. Tanto que, ao entrar na Academia Santa-Mariense de Letras, escolheu como patrono de sua cadeira 19 o eterno reitor José Mariano da Rocha Filho, figura humana que expressa sua admiração já nas primeiras palavras desta entrevista ao Jornal da APUSM.
Estes são alguns fragmentos de uma história de vida que se entrelaça com a educação universitária santa-mariense e, por que não dizer, brasileira.
O reitor, o professor e a universidade
“A UFSM entrou em minha vida antes mesmo de ser fundada. Eu me formei em 1954 e, um ano depois, em 1955, o Mariano me convidou para ingressar no quadro de professores do Curso de Medicina de Santa Maria, anexo à Faculdade de Farmácia, que ainda pertencia administrativamente a então chamada Universidade de Porto Alegre, hoje UFRGS.
Lembro que quando assumi a cadeira de Fisiologia tinha como colegas, entre outros, o Domingos Crossetti, o José Erasmo Crossetti e o Londero. E todos esses professores já apoiavam a ideia do José Mariano da Rocha em implantar uma universidade em Santa Maria, mesmo sabendo que não existiam universidades fora das grandes capitais brasileiras. E todos nós acreditávamos neste projeto, pois o Mariano já provara que estava sempre um passo à frente. Era um visionário.”
Um pioneiro em todos os sentidos
“Em 1971, fiz o curso de Medicina Nuclear, que era naquela época uma novidade muito recente, até mesmo nos Estados Unidos, que somente nesse mesmo ano reconheceu a nova especialidade médica. Então, cheguei para o reitor e disse que gostaria de implantar a Medicina Nuclear em Santa Maria. Ele achou aquilo uma coisa fantástica e imediatamente aceitou a ideia. Em seguida, já estávamos colocando o equipamento no Hospital Universitário de Santa Maria que ainda se encontrava em construção. Mariano era assim: sim ou não, e na hora!”
As semelhanças com outros tempos
“Naquela época, Santa Maria era um polo estadual de Medicina. Hoje já há outros, como Passo Fundo, Ijuí e Caxias. E a grande semelhança com os dias de hoje era a cidade estar cercada de estradas ruins. Muito ruins para dizer a verdade. Então havia uma situação muito engraçada aqui na cidade: em dia de chuva, os consultórios ficavam vazios, ninguém chegava por que ficavam atolados na viagem. A outra semelhança é que continuamos sendo polo de Medicina, e de ponta”.
A UFSM e o professor aposentado
“Eu fui professor na UFSM durante 35 anos, como manda o figurino. Então, acredito que cumpri a minha missão. Afinal, conhecimento que não é transferido não é conhecimento. Por isto me sinto realizado quando vejo meus alunos como profissionais que conhecem muito a profissão que eles exercem, sendo que alguns são até mesmo destaques internacionais.
Mas, o que acontece hoje com o professor aposentado é que ele fica muito distanciado da UFSM, ocasionando um grande desperdício de conhecimento.
Até mesmo quando foram comemorados os 50 anos da instituição, ninguém, ou muito poucos, foram convidados. Eu não fui. Acho até que tem gente lá dentro que nem sabe quem foi o Mariano da Rocha, quanto mais simples professores como nós”.
Mariano e a mobilização da cidade
“Aconteceu em 1956 um dos exemplos mais emocionantes da capacidade de mobilização popular que o Mariano da Rocha tinha quando o assunto era a Universidade: foi a participação do povo na compra do microscópio eletrônico (o primeiro de uma Faculdade de Medicina no Brasil), o qual foi pago com o valor de um dia de trabalho dos professores e funcionários da Faculdade de Farmácia e Medicina, assim como dos operários que trabalhavam na obra do edifício da Rua Floriano Peixoto (ex- reitoria), e ainda contribuições dos quartéis, dos núcleos ferroviários, dos clubes de serviços, enfim, toda a cidade foi mobilizada. Todos se sentiam orgulhosos em dotar as Faculdades santa-marienses de um instrumento de última geração tecnológica.
A capacidade de mobilização do reitor era tal que atraiu cientistas do Brasil e do exterior para o Corpo Docente da Universidade ainda em implantação. Foi assim que vieram para a Universidade de Santa Maria o professor de Farmacologia em Viena, doutor Robert Joachimvitz, e o professor de Bioquímica, doutor Richard Wasichy, um cientista reconhecido internacionalmente, além de ser reitor jubilado da Universidade de Viena”
[caption id="attachment_2747" align="aligncenter" width="640"] João Irion assumiu na ASL adotando como patrono de sua cadeira o ex reitor da UFSM, Mariano da Rocha. Foto arquivo pessoal[/caption]
Sempre um passo a frente
O doutor Mariano ensinou que ele nunca se satisfazia com o passo dado e sempre estava planejando e pronto para o passo seguinte. A caminhada de quem não via obstáculos para seus ideiais pode ser sintetizada nas sequencias seguintes:
- Não bastava a Faculdade de Farmácia, era preciso incorporá-la à URGS.
- Não bastava a incorporação, era preciso criar o Curso de Medicina.
- Não bastava o Curso de Medicina, era preciso convertê-lo em Faculdade.
- Não bastavam as Faculdades de Farmácia e Medicina, outras faculdades eram necessárias.
- Não bastavam as faculdades isoladas, era preciso a Universidade.
- Não bastava a Universidade, era preciso a Multiversidade... e assim por diante. Era preciso perseguir o horizonte numa jornada sem fim.
* Entrevista da série "Estes Pioneiros e suas Histórias", produzida pela assessoria de Imprensa da APUSM