Destinos: crônica de Celina Fleig Mayer
[caption id="attachment_4705" align="aligncenter" width="590"] Reprodução SoulPhotos[/caption]
Celina Fleig Mayer - Jornalista
Quando um jovem morre, assim, na “flor dos anos”, nos projetos mal e mal delineados, com um “milhão de amigos” que o curtem, as pessoas ficam muito abaladas. Isso, quando são apenas conhecidos. Se familiares, a dor é imensurável, sem explicação. É um ser humano que mal sentiu o gosto da vida, com suas doçuras e amarguras, então ficamos muito compadecidos. Não sei o que é que tem “do outro lado”, se vale a pena, se estava “escrito” que essa criatura só viveria 15 ou 20 anos. Nada disso importa. O que dói é que ela estava inserida num contexto em que se sentia contemplado com, no mínimo,meio século a mais, para usufruir do mundo, do seu país, da família, especialmente, das alegrias possíveis. E, desse ser que parte cedo, fica o quê? Um endereço eletrônico que vai se apagando, roupas no armário que vão sendo, aos poucos, retiradas e doadas. Quando são! Existem famílias que criam um “museu” do filho que partiu. E seus pertences ficam ali: livros, instrumento musical, até brinquedos de pelúcia de que ele não tinha conseguido se desfazer.
Um dia, a respeito dos que partem cedo, conversando com uma colega que fez vários cursos paralelos à psicologia, exatamente sobre essa ausência de jovens antes do tempo que deveriam viver, ela afirmou que está provado que foram rejeitados antes de nascer. São meninos e meninas que, no útero materno, construíram a dúvida no pensamento da gestante: abortar ou não abortar? Mães que pensaram e não tiveram coragem, não encontraram um profissional de confiança que as livrasse do feto, e por aí vai. Então deixaram que nascesse... e eles, inconscientemente quiseram partir cedo, por não se sentirem desejados, apesar de se tornarem mais amados do que os outros irmãos.
Não sei se isso faz sentido...mas ouvindo ou lendo os noticiários, diariamente, comprovamos que tantos jovens deixam de viver por acidente, por casualidade, descuido, bobagens aparentes. E isso faz com que se pense que essa ideia tem um fundo de verdade.
Lembro do caso de uma aluna que estudava à noite, e tinha um casal de filhos. Quando ela se deu conta, estava grávida de novo, depois da segunda criança já ter 10 anos. Certa ocasião, me procurou no recreio e confessou que não queria esse filho. Como assim? --- perguntei. É que os outros dois brigavam muito,infernizavam sua vida e, pior, o marido só faltou bater nela, ao saber da novidade. Nunca tinha ouvido um relato tão cruel. Então, ela procurou, por todos os meios, se livrar do feto. Primeiro foram chazinhos, depois receitas de amigas “experientes”, até que uma sugeriu uma agulha de tricô. Não vou detalhar o que ela fez com o objeto. Resultado: sangrou e foi parar no hospital Quinto mês de gestação. O feto tirado aos pedaços...
Nesse período final, perdi-a de vista e só depois, narrado por ela, soube desse detalhe, pois já estávamos de férias, quando abortou. Encontrei-a muito abatida, vinda de uma sessão de psiquiatria. Seu ato custou muito para a sua integridade mental. Depois disso, nunca mais a vi. Mal sabia ela que aquele ser indefeso poderia ter unido a família, terminado com as brigas entre irmãos ou, quem sabe, ser a companhia que ela precisava na velhice.Sei de muitas histórias assim, de “rapas de tacho”, ou filhos bem aceitos, apesar da idade da gestante ou dos problemas financeiros do casal, que se transformaram na melhor das companhia dos pais na velhice.
Nós,pensando nesses jovens que se vão cedo,ou nesses fetos que nem chegaram a respirar, nos damos conta do quanto somos capazes de fazer com que nossas vidas sejam mesmo cheias de dores e lágrimas. O destino, ou o que seja, como chamamos o nosso amanhã, nós mesmos é que o construímos. Ou destruímos...