Um desencontro programado, por Celina Fleig Mayer

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Um desencontro programado

Celina Fleig Mayer - jornalista A gente estava à beira mar, um grupo de umas dez pessoas, quando surgiu a ideia de fazer um jantar no apartamento de uma amiga  comum. Ela, muito simpática se ofereceu. Seria como que uma forma de continuar as intermináveis conversas “jogadas fora”, na maior descontração. Apenas não ouviríamos o mar e estaríamos vestidos todos, mulheres e homens, com um pouco mais de roupa. Como convém à noite, já que refresca... (não nesses últimos verões!) Mas, para mim, esse jantar foi um suplício. Não costumo me alimentar à noite, isso é secundário e sabido. Queria rever todo mundo, passar umas horas agradáveis na companhia dessa amiga, com quem tenho a maior afinidade, sempre cheia de assuntos e muito disposta. Só que ela estava transformada e transtornada. Levou a sério demais o fato de combinarmos esse encontro. Não teve tempo de sentar à mesa conosco, andava de um lado para outro, entre a churrasqueira, onde um tio assava a carne (churrasco de noite????) e o fogão, onde controlava o arroz, mais o aipim,  e não sei que prato, ainda. Dali, ia para a pia, preparar a salada. E, nos intervalos, se é que sobrava tempo, se preocupava com a bebida que estávamos tomando. Claro que a noitada me fez mal, pois fiquei tão chateada com a formalidade toda, que acabei  me alimentando de verdade. Na volta para casa – esse encontro foi numa praia próxima em que veraneamos – eu ia pensando na canseira que estava sentindo, no enjôo, que sou “boa nisso” (andar de carro com o estômago cheio!) e, pior de tudo, no tempo perdido. Esse retorno tardio ia atrasar a ida à praia no dia seguinte, pelo adiantado da hora em que fomos dormir. Nem uma trovoada bem forte nos acordaria no horário habitual. Na primeira oportunidade eu comentaria com minha amiga sobre o jantar. Acho que a decepcionei. Estava tudo impecável, tudo certinho, a sobremesa dos deuses, mas faltou descontração, tempo para se divertir. Mania que as pessoas têm de se prepararem tanto e tão trabalhosamente para um encontro! Se ela tivesse servido umas cervejinhas, uns tira gosto, mandado vir umas pizzas, sei lá mais o quê! a criatividade inspira na hora, a reunião teria sido um sucesso. Levamos mais tempo na mesa, sob  forte calor,  do que sentados na sacada, olhando a lua, espiando o mar e contando causos. Uma pena! Esse fato não é isolado, repete-se a cada dia quando mulheres, para se mostrarem “competentes” anfitriãs, tornam-se estranhas e totalmente empenhadas em serem perfeitas. Ser bem servido e com variedade de pratos, na praia, consegue-se em  restaurantes! O pessoal está lá, batalhando para ganhar seu dinheirinho nos poucos meses em que a coisa rende. Por que tirar deles essa função? Quando se recebem amigos em casa, é na base do improviso bem dosado e, por que não? Com a ajuda de cada visitante. O que é que custa levar a salada, a bebida, os aperitivos? Garanto que os comes seriam mais variados e os assuntos rolariam com mais facilidade e descontração. Pois é! Fui obrigada a fazer uma crítica a minha amiga, quando, dia seguinte, ela apareceu sob nosso guarda-sol, toda prosa, sorriso de orelha à orelha, como que nos cobrando elogios da perfeição do encontro da véspera. Tomara que ela tenha aprendido a lição: o tal jantar que ela organizou para nos reunir, foi um verdadeiro desencontro programado...

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