Faleceu Dona Maria Mariano da Rocha, esposa do reitor fundador da UFSM
[caption id="attachment_12778" align="aligncenter" width="1024"] (Fotos: Arquivo Pessoal)[/caption]
Pouco antes das 15h desta segunda-feira (07), faleceu a professora Maria Zulmira Dias Mariano da Rocha. Ela estava internada desde dia 12 de agosto no Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo. Dia 24 de setembro ela completou 101 anos.
Dona Maria era viúva do reitor-fundador da Universidade Federal de Santa Maria, José Mariano da Rocha Filho, morto aos 83 anos em 14 de fevereiro de 1998.
Segundo informações da família, ela será velada no Salão Imembuí, no 2º andar do prédio da reitoria da UFSM. O horário de início das cerimônias fúnebres ainda não foram definidos.
Maria Zulmira nasceu em Caçapava do Sul. Esposa do reitor José Mariano da Rocha Filho, o casal teve 12 filhos: Maria de Lujan, Mariana Giselda, José Mariano da Rocha Neto, Raquel Francelina, Júlio Rafael, Patrício Augusto, Maria Izabel, Zulmira, Ricardo Henrique, Eugenia Maria, Francisco José e Antônio Manuel.
Era formada em Geografia e foi docente na universidade, onde trabalhou no Departamento de Geociências. Também se envolveu com o Museu Educativo Gama d'Eça, desde o início da organização, e por muitos anos foi presidente da Associação dos Amigos do Museu Educativo Gama d'Eça.
Durante todo o período em Mariano da Rocha esteve à frente da reitoria, participou ativamente da organização do Natal dos Filhos dos Operários da UFSM. Também teve papel importante na construção da Creche da UFSM, a Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo.
A diretoria e o quadro de associados da APUSM transmite as condolências a todos os familiares e amigos de Dona Maria Mariano da Rocha, que era nossa mais antiga associada.
A matriarca da UFSM*
Ceura Fernandes
Dona Maria Zulmira Dias Mariano da Rocha. Filha de Manoela Bicca Velho Dias e Patrício Dias Ferreira, proprietários rurais na região do Taim, Caçapava e Manoel Viana, representantes da classe rural da época; esposa de um homem de grande expressão cultural, José Mariano da Rocha Filho, reitor fundador da UFSM, Dona Maria, embora bonita e elegante, sempre foi uma mulher simples. Nunca manifestou atitude de orgulho ou exibicionista. Sempre foi discreta. E para ver o lugar que ocupou é só olhar para a história da UFSM e constatar que lá estava ela, com sua tradicional discrição, ao lado do marido, em importantes momentos. Embora envolvida com a gestão da casa e a educação de 12 filhos, quando necessário, assumia ares de diplomacia e tornava-se também embaixadora da interiorização da educação superior no Brasil. Nos registros fotográficos daquela época, lá está ela, não raras vezes, como a única mulher, acompanhando o reitor, junto a autoridades nacionais e estrangeiras, aqui ou no exterior. Nas viagens à recém fundada Brasília, ou à Alemanha, em busca de verbas e convênios que tornaram a Universidade de Santa Maria internacionalizada e instrumentalizada como referência de ensino. Além da simplicidade, o que também caracterizou Dona Maria Zulmira foi a capacidade de se adaptar a diferentes situações, das mais simples às mais sofisticadas. Fosse para tratar do bem-estar social dos operários que, tijolo por tijolo, construíam cada prédio da Cidade Universitária; fosse para acolher os índios macuxis na extensão universitária criada por Mariano no distante território de Roraima no interior da Amazônia; fosse para reunir, em casa, estudantes da Faculdade Interamericana de Educação que, através de convênios com a OEA, frequentavam a UFSM; fosse para reunião do famoso GULERPE, o Grupo Latino-americano de Estudos para a Reforma e Aperfeiçoamento da Educação; fosse para recepcionar professores da UNESCO e da FAO que vinham impulsionar o desenvolvimento da região. Enfim, pessoas e autoridades nacionais e estrangeiras que o marido, em função dos interesses da educação, procurava bem receber. Ah! E ela tinha o hábito, antigo e sempre bom, de cumprimentar a todos. Fosse em evento importante em que participava ou pelos corredores da Universidade, encontrando funcionários, professores, alunos. Ela os cumprimentava. E, começando a conversar, tratava logo de encontrar um parentesco. Tinha personalidade firme, mas sua figura era suave e contrapunha-se à imagem séria do marido, de quem era parceira incondicional. Foram 60 anos em comum com o Zé Mariano ou o Juca, como ela o chamava na intimidade. Quem conviveu de perto diz que ela desempenhou vários papéis, e foi uma espécie de âncora, matriarca de duas numerosas famílias: a da UFSM e a dos Mariano da Rocha. Como mãe, procurava cuidar pessoalmente dos temas escolares das crianças. E, segundo uma das filhas, quando necessário, usava a pedagogia do puxão de orelha para retomar a ordem e acalmar ânimos entre eles. Como esposa do reitor, demonstrou preocupação com a educação dos filhos dos funcionários. E foi dela a iniciativa e a campanha para a criação de uma creche, (a creche Ipê Amarelo, ainda hoje funcionando no Campus da UFSM) a primeira do gênero numa universidade brasileira. Além de esposa, foi também, de certa forma, secretária do Doutor Marianinho. E, com talento de mediadora, o ajudou a vencer os céticos que duvidavam do tamanho do seu sonho. Na época em que não havia computador, datilografava alguns de seus importantes discursos e respondia correspondências. Atenta à sua agenda, acompanhava o noticiário e informava sobre acontecimentos relacionados à educação e à Universidade. Inteligente e participativa, só depois dos 12 filhos criados é que pôde, como aluna, frequentar um curso superior na universidade que ela, como uma espécie de ghost writer, ajudou a escrever a história. E foi aos 50 anos, sob emoção e aplausos que, das mãos do marido, o reitor fundador da UFSM, recebeu o diploma do curso de Geografia. Com a titulação, torna-se professora da Universidade e mostra protagonismo profissional. Depois de participar da organização do Planetário da UFSM, interessada por museologia, trata da preservação da memória e organiza o Museu Educativo da instituição. Como sua diretora por longos anos, criou uma associação de amigos do museu. E trouxe para o centro da cidade, para o antigo palacete dos Beleza, na Acampamento, um rico acervo museológico, hoje dirigido por uma das suas filhas. Com influência açoriana e espanhola, cultivou a religiosidade. Salientando a importância da fé, o casal Mariano da Rocha manteve laços de amizade com o clero e os bispos da diocese. E é de iniciativa de Dona Maria a tradicional campanha “Ponha Cristo em seu Natal”, que teve início há mais de 40 anos para resgatar o significado das comemorações natalinas. Ela e o marido tinham devoção à Medianeira. Ele chegava a dizer que a grande reitora era ela. Ele estava a seu serviço. Em lugar nobre no gabinete da reitoria, lá estava a santa, cuja imagem algumas vezes era presenteada a visitantes ilustres. E, ainda hoje, no centro da casa da família, à luz de vitrais, encontra-se um oratório com belas peças sacras. Verdadeira fortaleza, já octogenária, viajou aos Açores, em busca de suas raízes. Para que os elos fossem mantidos, fez ampla pesquisa sobre a genealogia da família que, além dos filhos, seis homens e seis mulheres, – Maria de Lujan, Mariana Giselda, José Mariano Neto, Raquel Francelina, Júlio Rafael, Patrício Augusto, Zulmira, Maria Isabel, Ricardo Henrique, Eugenia Maria, Francisco José e Antônio Manuel – somam-se mais 26 netos e 9 bisnetos. Em 2008, por ocasião dos seus 90 anos, reuniu-se o grande clã em significativa comemoração nos salões da Associação dos Professores Universitários de Santa Maria. E lá estava ela, com sua elegante singeleza, recebendo o afago de tantos que queriam manifestar-lhe apreço. Aliás, seus últimos aniversários foram memoráveis. No mês de setembro, em torno da grande mesa, na sala de jantar da casa, ela recebia flores, abraços e o carinho da grande família. E de um círculo de fieis amigas, muitas longevas como ela. Como num cenário de filme medieval, com personagens atuais, era cantado o ‘parabéns’. E, dependendo da inspiração dos convivas, podia haver canto lírico ou até lindas canções “daqueles tempos...”. É difícil falar da interiorização do ensino superior no Brasil sem pensar no legado deixado por Mariano da Rocha, reconhecido como um dos 20 Gaúchos que marcaram o Século XX. E é difícil falar dele sem lembrar da mulher que teve a seu lado. Por isso, em 2018, quando ela chegou aos seus 100 anos, foi reconhecida em vida pelo que, muitas vezes anônima e indiretamente, fez pelo futuro de tantos jovens que, se não fosse uma universidade pública perto de casa, não teriam estudado e se tornado o que são. A Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria prestou-lhe justa homenagem. Por tudo o que foi, merece o reconhecimento da comunidade e de milhares de ex-alunos da UFSM. Por diferentes e discretas formas, ela deu exemplar significado à vida e deixa um legado que continuará por muito tempo. Sua história continuará sendo referência de valores e de princípios. (*Texto publicado no jornal da APUSM, edição de setembro 2018).