Professor Ayala escreve sobre "Análise de conteúdo ou pesquisa documental"

[caption id="attachment_2759" align="aligncenter" width="480"]Foto reprodução Imprensa APUSM Foto reprodução Imprensa APUSM[/caption]

Análise de conteúdo ou pesquisa documental

 

Prof. Dr. Eduardo J.Z. Ayala – [email protected]

 

Após uma breve revisão de literatura sobre algumas características da análise de conteúdo, Clemente (2014) nos diz que esta variedade de investigação descritiva foi   criada, inicialmente, como uma técnica de pesquisa com vistas a uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa de comunicações em jornais, revistas, filmes, emissoras de rádio e televisão, hoje é cada vez mais empregada para análise de material qualitativo obtido através de entrevistas de pesquisa (Machado, 1991, p. 53). Gomes (2003, p. 74) enfatiza que a análise de conteúdo visa verificar hipóteses e/ou descobrir o que está por trás de cada conteúdo manifesto. “(...) o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e/ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto. A análise e a interpretação dos conteúdos obtidos enquadram-se na condição dos passos (ou processos) a serem seguidos. Reiterando, diríamos que para o efetivo ‘caminhar neste processo’, a contextualização deve ser considerada como um dos principais requisitos, e, mesmo, ‘o pano de fundo’ no sentido de garantir a relevância dos resultados a serem divulgados...” (Puglisi e Franco, 2005, p. 24)... A finalidade da análise de conteúdo é produzir inferência, trabalhando com vestígios e índices postos em evidência por procedimentos mais ou menos complexos (Op. cit., p. 25).   Saber o que está por trás de cada conteúdo manifesto, de cada argumentação evidente, seja qual for a sua natureza comunicativa, envolve, necessariamente, um esforço ímpar de interpretação da mensagem. No que respeita ao texto, resumir-se-ia, nos termos de Gadotti: a realização de uma leitura histórica impregnada de suspeita. Algo assim como que estando dentro dum trem torna-se indispensável descer dele para conhecer a sua origem e a sua natureza e, ainda, ir além: olhar por baixo (1984, p. 49). Para desvendar as intenções implícitas (ou ocultas) de um texto é requisito medular ter em permanente consideração o contexto (‘o pano de fundo’), o ambiente no qual foi elaborado. A leitura questionadora (ou histórica) de qualquer escrita é, ao mesmo tempo, a leitura de um mundo particular situado num determinado espaço e num dado tempo. Tanto assim que Freire sempre nos advertia: a compreensão do texto a ser alcançado por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e contexto (1983, p. 12). Krippendorff resume, assim, a noção de análise de conteúdo: É um procedimento metodológico para a obtenção de inferências com base em dados essencialmente verbais, simbólicos ou comunicativos (1980, p. 20). Com referência aos dados verbais... ou comunicativos não vejo necessidade de esclarecimentos complementares, mas quanto aos simbólicos se poderia adicionar uma opinião. Segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa o símbolo é aquilo que, por um princípio de analogia formal ou de outra natureza, substitui ou sugere algo. Nesse sentido, o símbolo mantém uma relação de semelhança com um referente, (ideias, objetos ou situações diferentes do símbolo). Num artigo anterior (Ayala, 2007, p. 8), com base na estrutura triádica da semiótica de Peirce, foi apresentada esta hipotética visão seqüencial:   1. Algo ou veículo sígnico = Ideólogos e educadores marxistas e seus partidários; 2. Signo ou representame = Agentes de transformação social a favor dos excluídos e; 3. Interpretante ou novo signo = Os ideólogos e educadores marxistas e os seus seguidores são agentes de estagnação social, visto que pensam e atuam em visível desarmonia com os acontecimentos da contemporaneidade.   Bem, esse “algo ou veículo sígnico” é parte integrante do nosso contexto, é o referente que acima se aludiu e ao qual os marxistas lhe atribuíram um primeiro símbolo (signo ou representame). Porém, quando tal atribuição perde seu potencial de analogia ou semelhança com o dito algo ou veículo sígnico surge, então, um segundo símbolo concebido pela ingerência do interpretante ou novo signo. Em suma, o signo ou representame textual supra, não vai além de um sofisma, de uma grosseira falácia em função da sua incompatibilidade com o mundo real. Segundo Bardin, a análise de conteúdo   é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens... a intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou, eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não) (1994, p. 38).   A separação da totalidade textual em suas partes componentes é uma particularidade do processo de estudo analítico. A análise de conteúdo, nesse caso, estaria centrada no exame minucioso de cada elemento (parte) integrante das comunicações oriundas das mensagens textuais ou documentais (todo). Isto, obviamente, com o objetivo de identificar, dentro de tais comunicações, fatíveis mensagens com novos significados ou, quiçá, com intenções latentes consideradas inéditas. Neste caso, a análise categorial (ou por categorias) torna-se uma alternativa recomendável. Ela consiste no exame e desmembramento da escrita (texto ou documento) em unidades que serão agrupadas acompanhando o princípio da semelhança (por analogia). Mas, a questão fundamental, que quase sempre vem à tona, se relaciona com a extensão de cada uma das referidas unidades: pode ser uma frase, um parágrafo ou fica a critério do pesquisador? Quando, a autora em pauta expõe, na obra em menção, as características da análise temática de um texto, sugere que seja a frase (limitada por dois sinais de pontuação) a unidade de codificação básica; isto é, a frase como mensagem mínima, como sinônimo de um signo ou um símbolo suscetível de ter mais de um significado. Por sinal, talvez seja temerário, da minha parte, registrar uma opinião da qual não consigo me desvencilhar: no íntimo, penso que em se tratando de pesquisa é extremamente importante o preparo teórico-metodológico do cientista, porém, no árduo trajeto de busca da verdade nada supera o bom senso do investigador, inclusive durante o balizamento da extensão de uma “unidade de codificação básica”. Tanto Puglisi quanto Franco, assim como Krippendorff e Bardin, veem a inferência, tida como proposição final, como alvo de todas as atenções da análise de conteúdo.   No entanto, não se pode imaginar que tal inferência seja uma espécie de conclusão irrecusável. Trata-se, na verdade, de uma modalidade de compreensão: a que se mostrou possível. Isto porque de certa forma é uma ilusão supor que o acesso ao pensamento originário do autor esteja inteiramente disponível no texto. O texto escrito é o modo pelo qual o autor pretendeu dar publicidade ao seu pensamento e para tal finalidade lançou mão da linguagem escrita... e não podemos esquecer que: “a linguagem é um traje que disfarça o pensamento. E, na verdade, de um modo tal que não se pode inferir da forma exterior do traje, da forma do pensamento trajado” (Wittgenstein, 1994, p.4002). Tal particularidade da linguagem não interdita o exercício inferencial, apenas põe em perspectiva as inferências, ou seja, lhe dá historicidade e contextualidade. E é exatamente essa historicidade e contextualidade que torna possível a dialética das interpretações, dando-lhes riqueza, não permitindo que se empobreçam no dogmatismo da “compreensão” sem alternativas, na compreensão hegemônica que apenas remete a uma incessante tautologia que, afinal, acaba por obscurecer o objeto investigado (Ayala e Pedra, 1999, pp. 22-23).   Finalmente, não surpreende que a literatura nos reserve uma grande disparidade de enfoques sobre esta variedade de pesquisa. Isto talvez se deva à pequena distância conceitual que há entre a análise de conteúdo e a pesquisa documental. Daí que neste trabalho, por uma questão de lógica aliada a um pragmatismo minimalista, optou-se pela conjugação de ambas as abordagens, pois elas apresentam muito mais semelhanças do que diferenças. Além disso, a análise de conteúdo está presente em qualquer tentativa que implique a reconceituação teórica de todas as mensagens, inclusive daquelas que emanam dos documentos. Segundo Barros e Lehfeld o objetivo da pesquisa documental é recolher, analisar e interpretar as contribuições teóricas já existentes sobre determinado fato, assunto ou idéia... a partir do emprego predominante de informações advindas de material gráfico e sonoro (1986, p. 91). Consideraria desnecessária (ou quiçá artificiosa) a tentativa de ocultar a afinidade dessa citação, por exemplo, com a concepção de análise de conteúdo vista acima; explico por quê: recolher, analisar e interpretar equivale a levantar, desmembrar e examinar criticamente as contribuições teóricas que guardam mensagens prestes à comunicação. Ainda, todas as teorizações contidas em materiais gráficos (de grafia) e sonoros (gravações de informações verbais [ou orais]), quando submetidas à interpretação, alteram as suas significações dando lugar a novas proposições; isto é, a outras inferências.   Post-Scriptum: A análise de conteúdo/pesquisa documental visa entender e explicar certas situações do presente como usos e costumes, tendências, diferenças, crenças e outras idiossincrasias intrínsecas à cultura de um povo, através da investigação sistemática das mensagens oriundas de uma grande variedade de fontes: documentos de cartórios, paróquias, arquivos, memórias, depoimentos, normas, relatórios, discursos, esboços, cartas, livros, artigos especializados, diários, revistas, jornais, boletins, catálogos, filmes, arte figurativa (desenho, pintura, escultura, etc.), gravações sonoras, etc. A avaliação de todos esses materiais deve sujeitar-se à crítica cuidadosa utilizada pelo pesquisador da história, porquanto a verificação da autenticidade e da validade do conteúdo é requisito prévio à análise. Algo importante: a análise de conteúdo/pesquisa documental distingue-se da pesquisa histórica pelo fato de que esta se ocupa do passado e a outra do presente.   BIBLIOGRAFIA: AYALA, Eduardo J. Z. e PEDRA, José Alberto. “A interpretação: subsídios para a pesquisa bibliográfica”. In Revista Educação. Centro de Educação – UFSM, Santa Maria, V. 24, N. 02, 1999. AYALA, Eduardo J. Z. “Sobre a necessidade de uma educação livre, democrática e em consonância com a contemporaneidade: um breve ensaio.” In Cadernos de ensino, pesquisa e extensão. Centro de Educação/LAPEDOC – UFSM, Santa Maria, N. 77, 2007. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994. BARROS, Aidil Jesus Paes de e LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de metodologia: um guia para a iniciação científica. São Paulo: McGraw-Hill, 1986. CLEMENTE, Fabiane. Análise de conteúdo: uma metodologia para análise de dados. Obtido por download em http://www.administradores.com.br/artigos/analise_de_conteudo_uma_metodologia_para_analise_de_dados/14317/. Acesso em 19 de março de 2014. Freire, Paulo. A Importância do Ato de Ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1983. GADOTTI, Moacir. A educação contra a educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. GOMES, Romeu. “A análise de dados em pesquisa qualitativa”. In MINAYO, Maria C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. KRIPPENDORFF, Klaus. Content analysis: an introduction to its methodology. Califórnia: SAGE Publications, Inc., 1980. MACHADO, M. N. M. Entrevista de pesquisa: a interação entrevistador/entrevistado. Tese. (Doutorado) - Belo Horizonte, 1991. PUGLISI, M.L. e FRANCO, B.. Análise de conteúdo. Brasília: Líber Livro, 2005. WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-filosophicus. São Paulo: Edusp, 1994.  

Gostou do Post? Compartilhe agora mesmo.