O êxtase de Santa Teresa - Uma crônica de viagem do professor Vitor Biasoli

  [caption id="attachment_8890" align="aligncenter" width="640"]Reprodução Jornal da APUSM Reprodução Jornal da APUSM[/caption]   Vitor Biasoli* Dizer que Roma é uma cidade de roteiro infindáveis é cair no lugar comum. No entanto, para alguém informado pela História, Arte e Religião Católica, não há como fugir disso. Roma é uma espécie de umbigo do mundo, o umbigo da Civilização Ocidental. Ali se localizou a matriz de um dos maiores impérios da Antiguidade, ali ainda se encontra a sede da igreja mais poderosa do Ocidente, e nesse mesmo território podem ser vistas as obras de arte que são referência para a nossa sensibilidade e pensamento. Dito isso, o que um sujeito pode fazer quando tem apenas um final de semana em Roma, como me aconteceu dias atrás? Eu havia feito um passeio básico de turista, no início de fevereiro – uma longa caminhada entre as ruínas do Coliseu e a Cidade do Vaticano –, e precisava escolher um roteiro mínimo para desfrutar com calma. Joguei para o alto as várias possibilidades, escolhi a Galeria Borghese e marquei uma visita pela Internet, no sábado. Para o domingo, não decidi nada, certo de que haveria de pintar alguma coisa. Estava hospedado num hotel próximo ao Coliseu e me sentia no centro do mundo. A Galeria Borghese absorveu a tarde de sábado e teria ficado no museu o dia inteiro se a visita não fosse por tempo limitado (duas horas). Encerrado esse período, fui bater pernas nos jardins do entorno da galeria e ali me deixei até o entardecer (calado, entre árvores e esculturas – com a certeza de que milhares fazem isso desde o século XVII, quando construíram aqueles jardins). Então lembrei uma escultura de Bernini numa igreja próxima, “O êxtase de Santa Teresa”, e achei que tinha tempo. Com o guia de viagem na mão, me aventurei. A noite caia, mas ainda encontrei a igreja aberta. Havia uma missa em andamento e lentamente avancei em direção ao altar, até me colocar próximo a quarta capela da esquerda, onde se encontra a obra de Bernini. Acompanhei a missa com aparente atenção, mas meus olhos estavam pregados no monumento. A santa tinha o rosto mergulhado na sombra, mas uma de suas pernas despontava – iluminada –, saindo do drapeado das roupas e terminando num pé desnudo, os dedos maravilhosamente estendidos. Encerrada a missa, um sacerdote tomou o púlpito, chamou o público para perto e se pôs a explicar as obras da igreja. Meu italiano é precário, mas a voz e os gestos do padre eram tão expressivos que eu “entendia” o que ele falava: as intervenções de Nossa Senhora na guerra contra os rebeldes (a vitória na batalha de Montanha Branca, contra os protestantes) e, especialmente, o fervor religioso de Santa Teresa. O rosto da santa foi iluminado por uma lâmpada sobre a sua cabeça, o padre imitou o movimento do braço do anjo traspassando o peito da santa com uma flecha dourada e creio que enfim compreendi o que a primeira doutora da Igreja escreveu na sua autobiografia: “a terna carícia que Deus fez à [sua] alma”. [caption id="attachment_8889" align="alignright" width="350"]Reprodução Jornal da APUSM Reprodução Jornal da APUSM[/caption] Naquela noite, não tirei foto nenhuma. Não me comportei como o turista que me tornei. Era impossível. Outros sacaram suas câmeras e celulares e enquadraram o monumento de Bernini, Santa Teresa, sua boca e o pé. Eu me recolhi a minha insignificância, saí em silêncio da igreja e fui andar pela noite romana. Entre outras coisas, entrei numa enoteca e pedi “un bicchiere di vino primitivo”, que bebi emocionado próximo a uma fonte. Emocionado com Bernini e com o gozo de Santa Teresa. Seguramente transfigurado pela Arte, a História e a Religião – assim mesmo, com iniciais maiúsculas, como ainda escrevem os escritores tradicionais, que ainda acreditam na grandeza inquestionável da Civilização Ocidental.

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