Cadê uma teoria educacional para este país?

Prof. Dr. Eduardo J. Z. Ayala – [email protected]

Departamento de Administração Escolar – UFSM

Num nebuloso, ou melhor, num tortuoso arrazoado academicista, alguns intelectuais com posições doutrinárias vetustas conferiram um significado enganoso à Teoria Educacional. Os discursos veiculados, por tais autores a esse respeito, pecam monstruosamente pela paixão ideológica que se sustenta exclusivamente na pobreza alheia, no excesso de taxionomias dualistas e, acima de tudo, na carência absoluta de uma vertente prática que indigite o trajeto do melhoramento da educação dos pobres do nosso país.

Vejamos tão-somente dois casos emblemáticos: (1) Entre nós (educadores do Brasil), transitava um conhecido pensador marxista de relevo nacional falando sobre o pensamento de Decroly, Montessori, Freinet, Bourdieu, Passeron, Althusser, Baudelot, Establet, Bowles, Gintis, Snyders e por aí vai; todos eles forasteiros e, como sói ser óbvio, é muito provável que nenhum deles sequer ouviu falar um átimo quanto ao sistema educacional brasileiro. Mas, mesmo assim, o nosso requisitado filósofo, visto como uma sorte de “consciência moral” da educação brasileira, não poupou esforços para por em pé duas tendências educacionais exóticas tendo como arrimo as teorizações dessa plêiade de intelectuais estrangeiros.

Com referência aos critérios que dão sustentáculo ao ensino-aprendizagem, o nosso autor em questão frisa que existem duas modalidades teóricas: (a) as não-críticas e; (b) as crítico-reprodutivistas. As primeiras não parecem ser do seu agrado, porquanto defendem os interesses da classe hegemônica, dominante, burguesa... As segundas, de acordo com o próprio autor, “não contêm uma proposta pedagógica”; só explicam o caráter reprodutivo da escola na sociedade capitalista (e, claro, não na socialista). Para encerrar, propõe uma “teoria crítica da educação” e, sem dó nem piedade, lança a seguinte arenga claramente demagógica: Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade através da escola significa engajar-se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes (Saviani, 1983, p. 36).

No passado, já cometi o sacrilégio de elaborar modestos conceitos fincados em ideários alienígenas que pouquíssimo ou nada tinham a ver com a realidade nacional. A este respeito faço aqui o devido mea-culpa ou, como prefeririam os socialistas reais, a minha “autocrítica necessária”. Com isto, não quero dizer que dou abrigo a quaisquer tipos de patriotadas ou xenofobias de fogos de artifício, todas elas abomináveis de um extremo a outro. Ao contrário, sugiro observar e examinar os problemas do nosso meio com o maior rigor possível antes de prescrever a receita que cure os males que nos acometem. Não interessa se a terapia é autóctone ou adventícia, o que conta é que o resultado seja benéfico e condizente com a realidade deste país. Penso ademais que deveríamos ser, sobretudo, propositivos do que simples expositores de modelos, archetypes, ou designs que não se ajustam às vicissitudes deste particular entorno.

A citação acima, por exemplo, sugere que do ponto de vista prático (sic!) temos de retomar vigorosamente..., lutar contra..., dar substância concreta a... Fala em engajar-se, em bandeira e repete a catilinária de praxe: contra os interesses dominantes. Porém, como também é de praxe, não sinaliza o caminho que a educação deve trilhar até a sonhada emancipação das camadas populares, nem nos diz o que fazer para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível. Em termos de resultados reais, essa e outras publicações conotadas de “progressistas”, são órfãs de praticidade, inócuas em demasia para a concretização das mudanças educacionais que o país precisa tanto e merece muito.

(2) Um outro educador, com menos “Ibope” que o anterior, comete o mesmo “crime” maniqueísta quando contrasta com habilidade cirúrgica duas teorias pedagógicas: (a) a liberal e; (b) a progressista. Àquela a vincula ao capitalismo e à propriedade privada dos meios de produção; a esta lhe atribui a prerrogativa de ser, entre outros, um eficaz recurso para reverter o estado de coisas que se contraponha ao igualitarismo (Libâneo, 1989, p. 32). Contudo, este mestre em nada difere do seu parceiro ideológico citado anteriormente; ambos (ainda?) adoram a senda socialista que leva à redenção da nossa pobreza educacional. Para construir a sua proposição socorre-se, ao igual que o seu correligionário, de uma seara de intelectuais de fora como Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet, Rogers, Freinet, Ferrer y Guardia, Tragtemberg, Makarenko, Charlot, Suchodolski, Manacorda, Snyders.... Já deste lado do Atlântico Sul, só menciona à figura solitária de um retorcido e perifrástico brasileiro, Paulo Freire.

Na defesa do seu posicionamento um tanto inane justifica as suas convicções com galimatias ideológicos como este: O termo “progressista”, emprestado de Snyders, é usado aqui para designar as tendências (ou teorias) que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação. Evidentemente a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais. Caro leitor, a bem da verdade, você captou, ao todo, essa mensagem? Se a sua resposta for negativa, tentarei mergulhar no significado da sinuosa exposição acima. Primeiro, suspeito que o “progressismo” que nos apresentam é fruto de uma análise crítica das realidades sociais capitalistas. Segundo, as teorias, tendências ou pedagogias “progressistas” sustentam implicitamente (subentendidamente, e não formalmente!) as finalidades sociopolíticas da educação. Mas, pelo amor de Deus, de que finalidades sociopolíticas nos fala esse cidadão? Suponho, com hesitação, que a educação seria a portadora da incumbência de reverter o status quo para a instalação do socialismo, não é? Depois, disserta sobre uma descomunal obviedade, diz que a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista. Mas claro que não, isto é como afirmar que é possível criar pinguins na intempérie do Saara ou camelos em cima do gelo da parte mais austral da Patagônia! E, para finalizar a sua peroração amorfa, sustenta que a “pedagogia progressista” é um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais. Ou seja, há outras práticas sociais com as quais se deve coadunar o “progressismo” educacional? E quais são elas, hein? No seu texto, ele não faz menção a nenhuma delas!

E pensar que esses dois senhores fizeram a cabeça de tantíssimos professores das escolas públicas do Brasil a ponto de torná-los adictos de um socialismo capenga, torto, ambíguo, extemporâneo.... Desde os anos 80 não faltam docentes empertigados que proferem frases de louvor ao crítico-reprodutivismo e ao progressismo; sim, como se estas supostas teorias fossem sinônimos de liberdade e justiça social para todos. É de dar dó!

Post-Scriptum: Em 2009, Martin Carnoy, visitante assíduo do Brasil e autor da célebre obra marxista Education as cutural imperialism, declarou à Folha de São Paulo que os professores brasileiros precisam aprender a ensinar. Após assistir pessoalmente às aulas em dez escolas públicas em nosso país, ele concluiu que os professores se tornam defensores de teorias sem saber sequer se funcionam na vida real... Há um excesso de ideologia na educação... Os professores precisam, de uma vez por todas, ser inspecionados e prestar contas de seu trabalho... Os alunos brasileiros que aparecem entre os 10% melhores são, afinal, menos preparados do que alguns dos piores estudantes da Finlândia... Até mesmo os ótimos alunos tendem a se nivelar por baixo... (2009).

Por isso mesmo, uma teoria educacional com serventia é aquela que exprime os eflúvios que advém da própria essência da sociedade vigente: os costumes e anseios do povo, a andança da política e dos políticos, as manifestações e tendências culturais e artísticas, os avanços e recuos na procura do progresso, a brutal agressão ao meio ambiente, a planetarização da economia e o conhecimento, a necessidade ineludível do uso do computador, as guerras e o terrorismo que estremecem o mundo, as virtudes da liberdade e a democracia, a queda do muro de Berlim, o estertor da tirania comunista em Cuba e Coréia do Norte, as últimas descobertas científicas e o seu consequente benefício para a humanidade... E a miséria, a fome, as doenças endêmicas e o analfabetismo no Brasil e em outros lugares do terceiro mundo? E os excessos dos países capitalistas mais avançados nas suas relações com as nações subdesenvolvidas? E a enorme distância que separa pobres e ricos como consequência da injusta distribuição da riqueza nesta e noutras nações do mundo? E os infindáveis problemas sociais que circundam às escolas públicas brasileiras, essencialmente? Sim, tudo isto e muito mais, também constituem a pedra angular para a eficiente construção de uma teoria educacional, de uma tendência pedagógica que oriente a capacitação de novos professores à luz da verdade e a realidade contemporâneas. O resto, amigo leitor, é puro culteranismo de gabinete que só se nutre de brumas, opacidades, enigmas.... Mais nada.

Bibliografia:

CARNOY, Martin. Mini Web Educação. “Retrato da Sala de Aula: Uma visão prática” (2009). Arquivo obtido por download em: <http://www.miniweb.com.br/Educadores/Artigos/retrato_sala%20de%20aula.html>. Acesso em: 08 abr. 2012.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Edições Loyola, 1989. (Coleção Educar; 1)
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação e política. São Paulo: Cortez: Autores associados, 1983. (Coleção Polêmicas do Nosso tempo; 5)

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