
Paulo Jorge Sarkis*
Mais uma vez, a questão dos sistemas de seleção para ingresso nas universidades brasileiras volta a ser discutida. A nossa Universidade deve estudar permanentemente qual a melhor forma de selecionar os candidatos para os seus cursos.
Desde 2011, quando o tema começou a ser discutido, temos apresentado análises focadas na nossa realidade local. A extinção do PEIES, a diminuição relativa da assistência estudantil e a extinção da Feira das Profissões produziram uma evasão absurda, abrindo vagas para o ingresso de estudantes com preparação heterogênea, vindo principalmente de universidades privadas. O resultado foi uma queda vertiginosa na avaliação dos cursos de graduação, revelada pelo Exame Nacional que avalia esses Cursos (ENADE). Felizmente a Feira das Profissões foi retomada e a assistência estudantil está sendo ampliada.
Entretanto, a grande questão que está em foco é a capacidade de adotar-se o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) como critério para ingresso na universidade através do Sistema de Seleção Unificado conhecido como SISU.
Sobre o ENEM, suas falhas e méritos, muito já foi escrito. Além das quebras de sigilo que persistem, apesar de todo o aparato policial que é incrementado a cada ano, o mais negativo nesse processo é que ele não permite a avaliação do candidato sobre o conteúdo que interessa para cada instituição e região. Sua centralização, num país de dimensões continentais, dificilmente conduzirá a uma boa seleção. Por mais instruções e burocracias que se implementem, não creio que será possível avaliar questões discursivas ou redações de oito milhões de candidatos com uma razoável uniformidade de critérios. Para avaliação e qualificação das escolas de ensino médio, melhor seria se fosse implantado um PEIES por região ou por estado com todas as ações de apoio às escolas que o programa fazia.
Mas é na sequência, quando o aluno busca entrar numa universidade através do SISU, que se dá a grande enganação da população e principalmente das famílias que abrigam os jovens candidatos.
Através de procedimentos, permitidos pelo avanço da informática, os milhões de candidatos ficam tentando usar suas notas para entrar em um dos cursos das universidades aderentes ao processo. Essas universidades estão espalhadas por todo o Brasil. Nesse jogo eletrônico, versão digital da brincadeira de “espirra gato”, os candidatos vão sendo espirrados para fora das instituições de suas preferências iniciais por outros mais qualificados e ficam trocando de opções por outras universidades com as quais não têm a mínima identidade. Lá eles espirram para fora outros jovens que tinham identidade com aquela universidade. O resultado dessa ciranda digital é tenebroso.
Os estudantes “selecionados” para instituições distantes, que não eram da sua preferência, pagam um alto custo financeiro e emocional para se adaptar à nova realidade. Os mais carentes nem aparecem para confirmar suas matrículas. Uma grande parte, pertencente à chamada classe média, não consegue superar os primeiros semestres e abandona os cursos depois de muitas despesas e sacrifícios. Suas vagas vão ser oferecidas no processo de “ingresso e reingresso” e serão disputadas por alunos de universidades privadas. A evasão é enorme. Na nossa Universidade, nos últimos anos, o número de vagas oferecidas para transferência de alunos de outras universidades para preencher as evasões é quase o mesmo das vagas oferecidas para ingresso nas séries iniciais, mais de quatro mil vagas.
Nas disciplinas de formação profissional as turmas resultam heterogêneas, com conhecimentos descompassados sobre o currículo, que torna impossível a tarefa dos professores de dar uma boa formação. Os resultados do ENADE são consequência desses erros na forma de seleção.
A propaganda oficial enaltece o grande número de candidatos. Seriam oito milhões no último ENEM. Isso não significa nada. Se a condição para entrar na Universidade for alguma prova de atletismo, as academias de ginástica vão se multiplicar da noite para o dia. Os resultados que contam são quantos alunos estão se formando; quantos formandos ingressaram desde o primeiro ano no curso; quantos alunos das cotas sociais estão concluindo.
O resto é pura enganação que mascara o enorme desperdício de recursos da sociedade com gastos do governo e das famílias.
*Ex Reitor da UFSM de 1997 a 2005