50 anos da APUSM: Com a palavra, o fundador Noli Brum de Lima

img_5376   Queridos colegas, Os que me conhecem, como os fundadores da APUSM, sabem que sou um sonhador, mas talvez não saibam que tento esconder esse fato é que procuro me mostrar um homem prático, lúcido empreendedor, mas no fundo sou um grande sonhador. Tendo consciência disso e para evitar o excesso, sempre procuro distinguir o mundo real do mundo dos sonhos e, principalmente, do delírio, como os de um de meus maiores heróis: Don Quijote de La Mancha, El Caballhero de la triste figura! Os “fatos” que ele via, só ele os via, mas , “fato”, segundo uma de suas definições, é um acontecimento para o qual existem testemunhas. É um fenômeno objetivo e os fatos que Don Quijote via eram subjetivos. Segundo dizem, ninguém é louco 24 horas por dia, todo louco tem algum momento de lucidez e num desses momentos, o bem intencionado, valente e admirável Don Quijote, se deu conta de que ele não passava de um velho ridículo, muito magro e fraco para as lutas nas quais se metia. Caía, então, em profunda tristeza. Num desses dias, seu fiel escudeiro, Sancho Panza, compadeceu-se e lhe disse: “Oye, maestro, dejar-se morir por la melancolia es matar-se com las próprias manos”. Don Quijote, pensativo, o olhou e respondeu: “Tu tienes razón, amigo Sancho... Vamos à la pelea”... E pronto, estava feliz de novo. É por isso que certos entendidos afirmam que a loucura é uma espécie de lucidez. Como sonhador, eu já sonhei com coisas grandiosas: atos heroicos, mas nunca delirei com minha efígie em bronze, como essa, feita pelas mãos da competente e bela Débora, filha do Dr. Irion, do qual me lembro e admiro. Como bom amigo, passo a vocês uma advertência de Mário Quintana: um erro em bronze é eterno! Ele disse isso quando lhe falaram de uma placa em bronze com o seu nome, no Alegrete. “Ora, direis, nós somos tuas testemunhas”. Acontece que louco competente inventa testemunhas.Minha maior dificuldade em aceitar essa placa - como algo real - é que tenho consciência de não merecer. Nada fiz de extraordinário. Qualquer um dos colegas que me elegeram poderiam ter sido os eleitos e possivelmente fariam uma gestão melhor do que a minha. Prova disso é que entreguei a presidência para o Tabajara Chaves Costa. E o que é que ele fez? multiplicou por 5 o número de associados. Depois dele veio o Arlindo Mayer. E o que ele fez? Multiplicou outra vez por 5 o número de associados. Ambos tinham credibilidade e grande capacidade de trabalho, energia. Depois vieram outros grandes presidentes, como o Quintino, o Nogueira, o Benetti, o Sarkis e gostaria de me deter um pouco em Sarkis, porque em sua gestão ocorreu um problema grave e definidor: Um grupo de colegas desejou transformar a APUSM em Sindicato. Sarkis não concordou. Essa história de sindicato não constava nos objetivos primeiros da APUSM. Em sua fundação, ninguém falou nisso. Por que, então mudar? E a resistência de Sarkis me faz lembrar de um fato histórico interessante: O Povo Judeu foi o único povo dentre os citados na Bíblia e em outros livros históricos que sobreviveu ao desenrolar da História. Outros povos como os amorreus, os saduceus, os cananeus e muitos outros desapareceram. E como o povo judeu sobreviveu? Por causa da fidelidade a um livro: o Torah. O Povo Judeu é o único povo cuja primeira obrigação dos pais é ensinar os filhos a ler para que possam ler o Talmude!E aconteceu que, no ano 70 de nossa era, Jerusalém foi destruída. Aí começou a Diáspora. Os sobreviventes se espalharam pelo mundo. Mas, onde quer que estivessem, liam o Torah! Pois bem, quase dois mil anos depois, na década de 30 do século XX eles começaram a voltar para a Terra Santa. E, ao encontrar-se, verificavam que tinham guardado a mesma identidade: a mesma fé. Foi pela fidelidade a um livro que eles preservaram sua identidade. Sem fidelidade, o que resta é a barbárie e a extinção. Talvez, no caso da APUSM, tenha ocorrida coisa parecida: Por fidelidade à carta de fundação, a APUSM continuou sendo aquilo para o qual foi fundada: agregar os professores universitários de Santa Maria. Não sei se isso está acontecendo em sua plenitude. Se não, por que não tentar?A fidelidade é um valor fundamental. Sem ela, tudo se desagrega. Com ela, mantêm-se os valores primeiros, definidores. Isso não quer dizer que ela não possa evoluir. Pode sim, mas com a condição de respeitar os valores fundacionais. Na história da APUSM que perpasso agora houve também um outro colega, que foi o verdadeiro protetor e mantenedor de nossa entidade: O Dr. Gilberto Niederauer Corrêa. Ele foi meu vice-presidente e grande amigo. Era Promotor Público em Santa Maria e professor na Faculdade de Direito. Na época, 1968 – período do Regime Militar – eu estava sendo ameaçado, discretamente, mas ameaçado. Ouvia advertências aqui e ali. Naquele tempo, mesmo as Associações tipo APUSM não eram bem vistas. Preocupado, falei com o Gilberto, conversamos e decidimos, em conjunto, que eu deveria me ausentar por algum tempo. Fui para Paris. Ou melhor, vim para cá. Na minha ausência ele registrou no Cartório Garcia, os nossos estatutos, sendo que ele próprio pagou, de seu bolso, as despesas com esse registro. Com certeza, Gilberto Corrêa merece ser lembrado, talvez um sala com seu nome. Foi um grande colega. Não tenho notícias dele há muito tempo, mas gostaria de lhe mandar um abraço se estiver entre nós. Acreditando que não seja sonho, a história da placa a ser inaugurada em minha homenagem. Nesse caso, só posso agradecer. - Só isso? direis. - Sim! Só isso, respondo. E me valho de Sêneca, para explicar. “Curae leves locuuntur. Ingentes, stupend” (os problemas pequenos são loquazes. Os grandes, silenciosos.) Ocorre comigo que, quando o acontecimento é demasiado grande, a gente não tem palavras de agradecimentos que estejam a altura dele. Meu grande, afetuoso e agradecido abraço para todos vocês,   foto-8a-noli1-150x150   *O professor Noli Brum de Lima enviou este texto da França, onde atualmente reside, para ser lido durante a solenidade de inauguração de seu busto, no hall de entrada da APUSM  

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